jornal tribuna das monções

entrevista

um mago das artes

POR erick zorob / jornal tribuna das monções - 18/06/21

Esta é a melhor definição que podemos ter deste porto-felicense conhecido como Nilson Araujo. Em entrevista à TRIBUNA, o artista plástico conta um pouco de sua trajetória e de como tomou gosto pela arte de modo geral. Confira!

QUAL SEU NOME COMPLETO E QUAL O SEU NOME ARTÍSTICO?
Consta em minha certidão de nascimento o nome José Nilson Pereira de Araujo, assim, sem acento. Este era o nome completo de meu pai que teve o Nilson suprimido na vez em que precisou refazer seus documentos no Estado de São Paulo, quando ainda bebê, veio com meus avós do Ceará para tentar a vida neste Estado de ‘grandes oportunidades’. Desta maneira, por ser o primeiro filho homem, ganhei seu nome legítimo. Quando mais jovem, nunca gostei do nome José e o Pereira sempre foi motivo de sátiras entre os amigos que viviam cantando “Nilson Pereira, subiu na bananeira, comeu banana podre, morreu de caganeira…”. Não sei por que o José nunca pegou. Zé Pereira ou Zé Araujo sempre foi o meu pai. Com isso, sempre fui chamado pelo segundo nome. Mas por achar muito grande, uso somente Nilson Araujo, assim sem acento.

QUEM É NILSON ARAUJO PARA NILSON ARAUJO?
Uma eterna inquietação. Alguém que ainda pensa no que quer ser quando crescer.

AS PESSOAS TE RECONHECEM MAIS POR SUA OBRA ARTÍSTICA OU POR SUA ATUAÇÃO COMO COMUNICADOR E PUBLICITÁRIO?
Depende da fase. Já fui até chamado de farmacêutico, por ter crescido atrás dos balcões das farmácias que trabalhei. Há pouco tempo, era reconhecido pelas polêmicas no Facebook. Embora minha escola tenha sido a publicidade, por minha formação em Design Gráfico e atuação nas revistas locais, acho que poucos me veem com grande expressividade no meio por, justamente, trabalhar sempre atrás das pautas, ou seja, na construção visual de como a informação é transmitida. É nas obras autorais que ganho maior reconhecimento. Mas, os amigos continuam me chamando de Nirso.

SEM CONTAR O TALENTO, COMO SURGIU SEU INTERESSE PELAS ARTES PLÁSTICAS?
Talento é dedicação, talvez por ter ouvido que desenho bem desde os tempos do “prezinho” da Tia Penha, fui mais aplicado à arte. Gostava muito de história também, mas nunca fui bom na oratória, então me expressava mais através dos riscos e rabiscos do que na forma escrita ou – piorou – falada. Com isso, adquiri muita facilidade em me expressar através do desenho ou da pintura. Nunca foi um interesse, mas um processo natural de minha formação. Cresci querendo ser um ilustrador, daqueles que faziam as incríveis revistas do Conan e do Tarzan que meu pai comprava nas bancas para eu colorir, quando criança.

O QUE AS ARTES PLÁSTICAS SIGNIFICAM PARA VOCÊ?
Leonardo da Vinci defendia a primazia da pintura sobre todas as outras formas de arte. Sustentava que a visão é dom indispensável para o nosso julgamento crítico e aproximação da beleza divina através das coisas. Mas, assim como o grande mestre renascentista – e aqui eu abuso um pouco da prepotência – nunca foquei numa única disciplina dentro do vasto universo das artes plásticas. Talvez pela inquietude, nunca consegui me dedicar apenas numa única forma de expressão. Passeei pelo mundo do desenho artístico, do desenho gráfico e publicitário, da pintura, da escultura, das charges e também esbocei alguns poemas. Deve ser por isso que a definição de artes plásticas é tão individual, é tão somente aquilo que nos toca, que nos faz lembrar que artista é aquele capaz de transformar a matéria dando-a forma para que outras pessoas a contemplem. Por isso o termo “plástico” é mais poderoso que “visual”, recentemente empregado, a fim de abarcar inúmeras formas de manifestações artísticas.

QUAL DAS ÁREAS VOCÊ PREFERE: DESENHO, PINTURA, ESCULTURA OU DESIGN GRÁFICO?
Atuo no mercado publicitário há 20 anos, então, por questões financeiras, a preferência é pela área que me dá certa garantia de retorno. Afinal de contas, viver da arte num país onde a cultura nunca foi a de incentivo, é um ato heroico. Pelo prazer e, por recolhimento às minhas raízes, o desenho me tira do mundo, enquanto que a pintura tem sido um gostoso passatempo, por vezes, rentável também. No campo da escultura, fui emprestado por alguma inspiração divina que veio, fez o que tinha que ser feito e foi embora. Nunca mais esculpi nada depois do Cristo Morto, minha única escultura.

COMO VOCÊ VÊ O MOVIMENTO ARTÍSTICO EM PORTO FELIZ? VOCÊ CONHECE O TRABALHO DE OUTROS ARTISTAS PLÁSTICOS DO MUNICÍPIO?
Se no âmbito nacional é complicado viver de arte, no local é ainda mais difícil. Arte é artigo de luxo, não se trata de primeira necessidade, portanto, o trabalho sempre estará atrelado a qualquer tipo de retorno financeiro que o sustente. Na ausência do retorno, por necessidade, ocupa-se o tempo naquilo que paga as contas e a arte acaba virando um passatempo apenas. Mas, ainda assim, Porto Feliz tem muita gente boa e dedicada em fazer arte. O que falta é o movimento, o incentivo, um projeto que direcione toda esta capacidade de produção artística que a cidade tem. Porto Feliz é terra fértil de grandes talentos, seja na arte do desenho, da pintura, da escultura, do bordado, do artesanato em si, da escrita, da dança, da música e, no entanto, a cidade que ainda é cercada por cana de açúcar, não tem nem uma rapadura que a represente. Não preciso entrar no mérito político da coisa para mostrar a carência de um projeto que olhe com seriedade para este grande potencial que a cidade tem e que a projete cultural e também turisticamente. Quem sabe agora, com a criação da Secretaria de Cultura e Turismo, a cidade avance artisticamente para além dos lindos azulejos do excepcional artista italiano que viveu em Sorocaba, Bruno di Giusti, que ilustram as capelas da nossa Matriz.

VOCÊ DIRIA QUE VIVE EXCLUSIVAMENTE DE SUA ARTE?
Como falei no início, talento é dedicação. Estou com 43 anos de idade, casado e pai de três lindos filhos, minhas maiores obras-primas. Não foi fácil ter alcançado esta dádiva, digamos assim, de viver exclusivamente de minha arte. Mas, sim, considerando que minha profissão me intitula como um “fazedor de artes”, seja no mundo publicitário ou artístico, é do meu talento que pago minhas contas.

QUAL FOI O TRABALHO QUE PRODUZIU QUE MAIS TE TROUXE REALIZAÇÃO PESSOAL E QUAL FOI A OBRA QUE MAIS TEVE DIFICULDADE EM FINALIZAR?
Toda arte traz consigo grandes desafios. A realização pessoal consiste em saber como contornar estes desafios. O trabalho final, portanto, é consequência. Quando, em 2018, me senti tocado a esculpir em tamanho natural a imagem do Cristo Morto, eu nunca havia me interessado pela arte da escultura, não conhecia o processo de cura da argila e, tão pouco, qual argila seria melhor para o trabalho. Mas, Deus sempre capacita os escolhidos e, desta forma, tudo favoreceu para a realização desta obra que produzi com alguns palitos de sorvetes que improvisei como ferramentas. Hoje, a escultura descansa na Igreja N.S. da Conceição Aparecida, no bairro Cidade Jardim, e é admirada pelos fiéis que a frequenta. Isso me dá muita satisfação. A obra que mais tive dificuldade em finalizar foi a primeira Via-Sacra que pintei e que estampa as paredes da mesma igreja. Todo artista tem alguma deficiência e, com isso, precisa encontrar algum jeito de contornar este problema para seguir adiante. A minha era a de replicar o mesmo rosto do Cristo nas 14 passagens que ilustram a Via-Sacra. Depois de muitos papéis rabiscados, rasgados e jogados fora, encontrei a fórmula: fiz o Cristo de costas. Nesta Via-Sacra, em especial, o rosto de Jesus aparece apenas três vezes, e pouca gente percebe isso.

VOCÊ ENSINA PINTURA, ESCULTURA OU DESENHO? COMO ISSO FUNCIONA?
Antes da pandemia, por dois anos, dei aulas de desenho artístico para crianças. Era um projeto que começou no Colégio São José, depois o levei para as dependências da minha própria casa. Por ser aos sábados, eu precisava sempre incomodar as freiras para abrirem o portão da escola para que eu pudesse então dar as aulas. Construí uma metodologia própria para aplicação dos conceitos e da prática do desenho e, desta forma, os alunos em três meses aprendiam o módulo básico do curso que ia desde o esboço à anatomia, passando pela perspectiva, volume e luz e sombra. No momento as aulas estão suspensas devido à pandemia.

QUAL O SEU MAIOR DESAFIO ENQUANTO ARTISTA PLÁSTICO? AS PESSOAS RECONHECEM O VALOR DOS SEUS TRABALHOS?
Houve um tempo em que eu me preocupava muito com reconhecimento, mas o tempo também ensina que tudo é vaidade e vento que passa. É legal sim, ser reconhecido, mas, o mais importante – e é o que te sobra no fim – é a realização pessoal. Quando se alcança a realização, o reconhecimento vem por direito, como se tivesse sido chamado.

ALGUMAS OBRAS SUAS SÃO DIRETAMENTE LIGADAS À HISTÓRIA DO MUNICÍPIO. VOCÊ PENSA EM DEIXAR UM LEGADO EM PORTO FELIZ?
Tenho alguns esboços que fiz de cenas e personagens de Porto Feliz. Acho que é o ponto de partida de todos os artistas locais: pintar cenários da cidade. A cultura histórica local é uma raiz bem forte no porto-felicense, com isso, é um caminho que pode ser trilhado sem medo no mundo das artes. Mas, acredito que a minha maior obra ligada à história do município seja o livro que escrevi, O Fantasma da Gruta, que conta a saga de quatro pré-adolescentes que decidem ir à Gruta numa noite de lua cheia, após ouvirem histórias de terror, sob a luz do poste da Rua São Pedro, onde cresci. No livro ilustro bem, com palavras (veja só a ironia) a nossa história local. Sobre legados, gosto bastante daquela música do Titãs que diz “é caminhando que se faz o caminho”.

JÁ ARRISCOU CRIAR HISTÓRIA EM QUADRINHOS? QUAL FOI O MOMENTO MAIS FASCINANTE?
Este é um universo que eu nunca me aventurei. Criar roteiros não é muito bem o meu forte. O que mais se aproximou de uma história em quadrinhos foi o personagem Tédão, intitulado pelo amigo Reinaldo Crocco Júnior, como o primeiro meme de Porto Feliz. Tédão fez muito sucesso em eleições passadas, onde sempre aparecia nas fotos postadas pelos candidatos. O momento mais fascinante, delirante eu diria, foi quando fui chamado na Secretaria de Segurança Pública para prestar esclarecimento de uma destas publicações, como se Tédão fosse algum terrorista que estivesse perturbando a ordem vigente. Nos quadrinhos, existe um ditado que diz: “Se você não mata o seu personagem, um dia ele mata você.” Por esta razão, achei por bem parar com o Tédão.

QUE RECADO GOSTARIA DE DEIXAR PARA AS PESSOAS QUE ACOMPANHAM O SEUS TRABALHOS E PARA AQUELAS QUE PRETENDEM INICIAR NAS ARTES PLÁSTICAS?
Como disse, nunca fui bom na oratória e com palavras, mas, aproveito o espaço para agradecer imensamente as pessoas que veem em mim o artista que ainda sonho em ser desde criança. E, para quem pretende iniciar nas artes plásticas, seja a disciplina que escolher dentro dela, saiba que tem todo o meu apoio e respeito. Não é um caminho fácil de trilhar, mas depois que descobre como contornar os desafios, a gente olha para o limite e ri.